Acordai, cidadania!

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As conquistas da ciência e da técnica têm trajetos simultâneos com certo retrocesso axiológico. Ou seja: tornamo-nos mais satisfeitos em nossas demandas materiais e um pouco mais pobres no cultivo dos valores. Aparentemente nos brutalizamos ao conviver com a violência, com a insensibilidade, tornamo-nos cegos à miséria e à exclusão e surdos aos clamores dos injustiçados.

Como conviver com o impressionante número dos que passam a viver nas ruas? Como nos acostumar com as sessenta e cinco mil mortes anuais de jovens? É normal assistir à devastação da floresta, à destruição de viaturas do IBAMA e do ICMBio, a demolição de pontes para continuar a exploração ilegal de madeira, garimpo irregular e grilagem de terras?

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O que nos leva a não nos indignar mais ante a continuidade de práticas nefastas, perpetradas em todos os níveis de uma Administração Pública inflada, que confunde o público e o privado e que profissionaliza, sob o signo da insensibilidade, um múnus que já foi honorífico e nobre?

É preciso resgatar princípios que já foram eixos consistentes da nacionalidade. Um deles, pela sua relevância, não pode ter sua restauração postergada. É a subsidiariedade. Calcada no truísmo de que tudo o que é suscetível de ser feito individualmente, graças à iniciativa e à desejável autonomia pessoal, é um estímulo a que os seres humanos deixem o casulo tutelar da autoridade e assumam suas responsabilidades. Chega de ser lagarta: é preciso virar borboleta e voar. Com as próprias asas, não com a muleta estatal.

A responsabilidade do cidadão é exercer a cidadania. E o que é a cidadania, senão o direito a ter direitos, conforme a clássica expressão de Hannah Arendt?

Não se pode esperar que o governo resolva aquilo que o indivíduo pode fazer em relação à sua pessoa. Ou a família a concretizar quanto aos seus membros, os anseios domésticos. O grupo ampliado quando for necessário, deve suprir a insuficiência familiar. A comunidade, na sua expressão mais explícita – comum unidade – quanto aos seus interesses, naquilo que representar atendimento ao interesse coletivo.

Governo é servo, não patrão. Governo é instrumento para facilitar a vida dos homens, não para afligi-los com burocracia, tributação excessiva e autoritarismo, tudo a serviço de um grupo distanciado das mais explícitas necessidades do convívio social.

De uns tempos a esta parte, a população foi acostumada a superestimar o governo e a aguardar que o Estado provedor cuide de todas as suas necessidades e atenda à totalidade das demandas. Ficou inerte, passiva, resignada, enquanto as partículas do banquete oficial supriam o essencial. Só veio a perceber que a receita era desastrosa, quando o Estado faliu em suas principais funções. Saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, emprego, moradia.

Isso inibiu o espírito empreendedor, tolheu a coragem, bloqueou as iniciativas transformadoras. A sociedade perdeu brio, perdeu personalidade, viu-se em pânico ao perceber que o Governo se assenhoreou de tantas tarefas, que delas não deu conta.

Não deu conta sequer de prevenir a gigantesca e trágica crise moral, ética, a desaguar no cataclismo político e a produzir este debacle financeiro que a todos aturdiu e empobreceu. Temos todos responsabilidades éticas em relação às novas gerações. Cada criança brasileira já nasce devendo mais de setenta mil reais, diante do volume da dívida interna.

Enquanto isso, o Estado continua a crescer, a inflar suas estruturas, a conceder aposentadoria a pessoas que ainda têm capacidade de trabalho, a prover os quadros e a multiplicar as funções. Como se vivêssemos no País-maravilha, no qual não existem problemas, nem disfunções.

Ou a cidadania acorda, ou tudo vai continuar nessa lamentável direção.

*José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente universitário, palestrante e parecerista e Presidente da Academia Paulista de Letras.

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