Apegar-se ao que não vai sumir

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O acelerado ritmo das mutações causadas pela 4ª Revolução Industrial deixa atônitos os pobres humanos. Tudo o que era estável se torna movediço. As certezas viram dúvidas. As dúvidas se transformam em incertezas. Uma espécie de caos é o que governa o mundo.

O Fórum Econômico Mundial anuncia que ao menos 702 profissões desaparecerão. Dentre elas, a de advogado. É evidente que os estudiosos, os brilhantes, os criativos, sobreviverão. Mas aquele que só sabe peticionar e entrar em juízo está com os dias contados. Pode demorar um pouco, mas dentro de algumas décadas, a extinção mostrará sua força.

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Dois jovens estudiosos de Direito na França elaboraram um programa que responde a 99% das dúvidas jurídicas com acerto maior do que se fossem resolvidas pela mente humana. Também oferecem minutas de petições, de contratos, de pequenas avenças. De maneira que o arranjo de textos-padrão para aquilo que hoje é realizado por uma pessoa física, tende a ser substituído com eficiência maior pelos mágicos algoritmos.

Não vai sumir, com certeza, é o produtor de soluções e o propiciador de consensos. Quem tem juízo verifica a insensatez de recorrer ao Judiciário para resolver tudo aquilo suscetível de obtenção de acordo. O desenho da Justiça brasileira é kafkiano. São quatro graus de jurisdição, enquanto o mundo civilizado se satisfaz com dois. Dezenas de oportunidades para a reapreciação do mesmo tema, diante de um sistema recursal caótico.

A impressão que se dá é que a Justiça atende melhor a quem não tem razão do que àquele que se vê obrigado a recorrer a ela para ver restaurado um direito ou interesse vulnerado. Porque o devedor consegue, durante a longa tramitação de um processo que começa com a decisão monocrática do juiz em primeiro grau e pode vir a se encerrar depois de mais de uma década, com um acórdão do Supremo Tribunal Federal, a nossa quarta instância. Enquanto isso, o mercado, o credor, as instituições financeiras não garantem ao devedor um prazo tão indefinido e impreciso, a ser percorrido mediante contínuos saltos de obstáculos, tamanhas as vicissitudes dessa arena de astúcias em que se transformou o processo judicial.

O advogado que investe na conciliação, na mediação, na negociação, na persuasão do seu cliente para fazer um acordo, serve melhor à Justiça do que aquele que insiste em litigar. Verdade que a anacrônica formação jurídica não ajuda. Ensina a beligerância. A luta, a postura adversarial. Mas o presente e o futuro reclamam eficiência. Resultado. Daí a urgência de novos rumos para o universo do Direito.

Enquanto isso, é preciso prestar atenção naquilo que não desaparecerá. Por enquanto, os robôs ainda não conseguem cuidar de idosos. Também ninguém sabe preparar geleia caseira, ou fazer pão caseiro, ou bordar, ou fazer tricô ou crochê. As receitas familiares antigas são insuscetíveis de virem a ser apropriadas pela automação.

Entrarão em alta, daqui para a frente, hábitos e costumes que deixamos de lado. Tradições, usos e aquilo a que não costumávamos dar valor. Voltar à singeleza da vida campestre. Recuperar a vizinhança rural. Prestigiar os sítios, as chácaras, as plantações bem cuidadas de coisas que já desapareceram: araçás, gabirobas, uvaias. Contar estórias, lendas e superstições.

Aquilo que o “progresso” foi jogando fora, de repente volta à moda. E será essencial para que as pessoas se sintam úteis, não se considerem superadas e engolidas por um tempo desumano, frio e impessoal.

Quem se devotar a explorar aquilo que é próprio à natureza humana, genuíno e espontâneo, verá que os algoritmos não serão ameaça. Ao contrário: a automação deixará mais tempo para o gostoso da vida, que o consumismo, o egoísmo e o amor pelo supérfluo vieram tentar destruir.

Voltar às origens mostrará que vale a pena voltar a edificar um convívio fraterno, solidário e harmônico. Muito mais digno do que litigar e concluir que o processo termina com uma sentença que nem sempre significa a concretização do justo.

*José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente universitário, parecerista e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2019/2020.   

  

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