Cúmulo do absurdo

publicidade

Quando se pensa que não há nada pior a fazer, vem a surpresa. Parece que o limite não existe para uma parte dos integrantes da Câmara Municipal. O segmento ligado à oposição. Grupo que, depois da cassação de Alex Parente, que protagonizou e executou com este fim, tem maioria qualificada e faz o que quer. Pasmem! O desatino do momento foi propor mudar, no atacado, nomes já consolidados de vias públicas. Em desrespeito à legislação vigente, à história da cidade e em afronta ao interesse público.

Os vereadores podem dar nomes a vias públicas. É atribuição deles. E fazem isso com constância. Em boa  parte sem o cuidado ideal e em desacato legal. Muitos homenageados, embora pessoas boas, não têm histórico de serviços prestados ao município para terem seus nomes perpetuados em próprios públicos. Mas isso faz parte da política. Geralmente rende votos de gratidão. Muitas vezes o vereador atende pedido de familiares, que querem homenagear parente falecido. É assim em quase todo lugar.

publicidade

Todavia, mudar nome já consolidado de via pública é coisa bem diferente. Primeiro, porque traz transtornos imensos. Hoje qualquer pessoa tem múltiplos cadastros onde constam seus endereços. Imagina mudar tudo isso! E empresas, que possuem inscrições obrigatórias em órgãos federais, estaduais e municipais? Estas, inclusive, teriam gastos. Uma pessoa jurídica despenderia perto de 500 reais. Uma sociedade, perto de 1000 reais. Até quem é MEI iria gastar aproximadamente 60 reais.

Ainda nesse particular, entre os nomes de vias públicas que se pretendia alterar estavam a rua Olaria e a avenida Bonsucesso (a grafia oficial está errada “Bom Sucesso”). Nelas estão as sedes da Associcana, Incubadora de Empresas Totó Camargo, Sindicato Rural (patronal) de Dois Córregos, Associação dos Produtores Rurais de Dois Córregos e Sociedade Civil Projeto Coragem. Dá pra se pensar a burocracia que essas entidades teriam de enfrentar caso as alterações se consolidassem?

Apenas por isso a iniciativa é ilegal. Contraria o interesse público. Contudo, não só. As propostas recaiam sobre vias que não têm nomes de pessoas, pra não magoar ninguém. Mas se esqueceram, os iluminados edis, que estavam aviltando a história. Dois Córregos possui uma particularidade: tem bairros com nomes de: times de futebol (Mocoembu, Botafogo, Corinthians, Palmeiras…); estados brasileiros (Bahia, Minas Gerais, Pará, Paraíba…); cidades paulistas (Dois Córregos, Bauru, Jaú, Itu…).

São nominações perduráveis há quase meio século, que até agora ninguém ousou mexer. Apesar da natural ânsia nominativa que sempre tiveram integrantes do Legislativo, jamais se pensou que se poderia chegar a tal desvario. Os projetos, por outro lado, não se ajustavam ao disposto na lei municipal nº 1.689/89, que dispõe sobre nominação de vias públicas. Para quem conhece um pouco de história local, rol no qual parece não se incluem os vereadores autores das mudanças, esta é a chamada “Lei Noca”.

Bastante idoso, mas muito lúcido, no seu último mandato de vereador (1989/1992), o advogado Antônio Gonçalves da Cunha, mais conhecido como Dr. Noca, jurista e político local; prefeito, vereador, quatro vezes presidente da Câmara, assessor de governador do Estado, resolveu regrar a fúria nominativa de vias públicas que já reinava. Propôs e fez aprovar lei disciplinando a matéria, que se tornou conhecida como “Lei Noca”. E, naturalmente, ela também regula redenominações. Inclusive com maior rigor.

Esta lei expressa que “será mantida a atual nomenclatura de logradouros, bairros e bens públicos”, regrando quando pode haver alteração. E não parece que as permissões nela previstas comtemplem as então pretendidas. Interessante que uma das situações em que a lei possibilita mudança é quando da existência de “nomes em duplicata ou multiplicata”. E dois projetos faziam exatamente o contrário disso. Davam nomes a vias públicas de pessoas que já estão perpetuadas em bens públicos municipais.

Pela “Lei Noca”, só podem nominar logradouros públicos “brasileiros já falecidos que tenham se distinguido:” – “em virtude de relevantes serviços prestados ao Município, ao Estado e ao País”; “por sua cultura e projeção em qualquer ramo do saber”; “pela prática de atos heroicos e edificantes”. Seguem-se, depois, permissão para nomes tirados da história, fauna, flora, mitologia, Bíblia Sagrada e personalidades estrangeiras de indiscutível projeção, entre outras situações que elenca.

É fato que essa regra geralmente não é observada para novas nominações, quando deveria. Mas empregá-la na redenominação já sacramentada de vias é desrespeitar a “Lei Noca” além da conta. Principalmente em relação a vias importantes, como as avenidas Bahia, Piracicaba, Itu e Bonsucesso. Duas dessas tinham nomes propostos que satisfaziam os requisitos legais, porém eram nomes em duplicata. Um dos nomes já se encontra perpetuado em unidade de saúde da rede básica e outro em praça pública.

Assim que a população tomou conhecimento das propostas, manifestações contrárias pipocaram pelas redes sociais. A única coisa que se podia esperar é que os vereadores autores  tivessem a hombridade de reconhecerem a bobagem que pretendiam fazer e retirassem esses projetos de lei. Foi o que fizeram, mediante livre e espontânea pressão popular. Parece que não lhes restava alternativa. Menos mal que recuaram. Espera-se que tenham aprendido a lição imposta.

Novos bairros vão surgir na cidade. Que os autores das propostas de redenominação refutadas pela população prestem as homenagens que pretendem, ainda que fora da “Lei Noca” quanto aos requisitos necessários em sua maior parte, em vias públicas sem nominação. Mas não aviltando a memória histórica da cidade em uma de suas características peculiares e ferindo o interesse público. Em casos assim, não há como negar que as redes sociais são freio a desatinos que, como os aqui tratados, gerariam efeitos nefastos.

Caso a ala que havia proposto os projetos os fizesse aprovar, já que tem maioria para isso, seria preciso que alguém recorresse ao Judiciário para tentar barrar o disparate. Até porque, depois viria o desastre total. Afinal, praticamente todas as ruas dos bairros Jardim Paulista, Bela Vista, Vila São Sebastião, Vila Bandeirantes, Vila São Pedro, Vila Santo Antônio, Vila São Paulo e Vila Coradi não têm nomes de pessoas. Aí seria o caos completo. Como se vê, o limite para o absurdo não existe.

J A Voltolim

Comentários
Compartilhe