De quem é a praça?

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A decisão da administração de construir um banheiro público na Praça Arthur de Carvalho fez retornar uma velha discussão: de quem é praça, da Igreja ou da Prefeitura? Essa não é uma dúvida que paira apenas em Dois Córregos, mas em praticamente todas as cidades surgidas da doação de terras para a Mitra, geralmente a partir da metade do Século XIX. Naquele tempo, a doação de terras à Igreja, por seus ocupantes, legalizava as posses. E sempre era feita com a obrigação de se construir uma capela sob a invocação de uma entidade religiosa. No caso de Dois Córregos, o Divino Espírito Santo.

E por que isso acontecia? Porque naquela época a autoridade da Igreja Católica praticamente se fundia com a do Estado. A Lei de Terras Devolutas, que é de 1850, criou o primeiro cadastro de terras no Brasil. Ela obrigou a que possuidores a qualquer título precisavam registrar as terras que possuíssem. E a autoridade onde os possuidores deviam registrar eram os vigários das paróquias, que tinham de fazer as anotações em livro próprio. A Lei de Terras, como era conhecida, não obrigava a doação de área para a Igreja. Mas a doação passou fazer parte do contexto prático, com a condição da autoridade religiosa permitir a construção de um templo sob a invocação de uma figura santificada.

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Em Dois Córregos, no dia 4 de fevereiro de 1856, data considerada como a da fundação da cidade, foram doados 20 alqueires de terra para a Igreja Católica. Esse terreno é o que hoje constitui a área considerada central. Em praticamente todas as localidades, em torno da Igreja se formou uma praça. No caso de Dois Córregos, a Lei Municipal nº 119/47, editada com suporte no Decreto-Lei estadual nº 14.916, declarou terras devolutas todo o entorno da Igreja Matriz, tendo o templo religioso como centro do círculo. Dessa forma, coube à prefeitura, como ente estatal, conferir títulos de domínio para legitimação das posses e consequente registro em cartório. Isso significa que quem tinha propriedades dentro daquela faixa de 20 alqueires inicialmente doada à Igreja, somente as teve legitimadas pela autoridade municipal.

Apenas por isso não resta dúvida que o prédio da Igreja pertence à Mitra e a praça ao seu entorno, como também a Major Carlos Neves, pertencem à prefeitura. Igualmente as ruas e avenidas que foram abertas para formar a área central são propriedades do município. Mesmo que em cartório não estejam registradas em nome de ninguém. Isto é, nem da prefeitura nem da Igreja. Em muitas localidades, pela ausência de registro em cartório, esse tipo de questão foi levado à análise do Poder Judiciário e a solução não foi outra. O prédio da Igreja e aqueles de seu uso, como a Casa Paroquial e a Sede Mariana no caso de Dois Córregos, são da Igreja. As praças são bens públicos.

E nem pode ser de forma diferente. Até porque, se existem praças, quem as fez? A prefeitura! A da Igreja Matriz do Divino Espírito Santo, inclusive com as características ainda atuais, foi materializada em 1937, na gestão do prefeito Ernesto Scortecci. Como foi a prefeitura quem fez e mantém a praça, como não pode fazer uma obra nela? No caso, um banheiro público, dependência de grande interesse social e reclamado insistentemente pela população. A discussão, portanto, não faz o menor sentido. Não tem nenhum cabimento. É nada mais que perda de tempo. Geração de polêmica à toa. Por isso a Igreja, pela Mitra Diocesana de São Carlos, decerto nem quis se meter nela.

Esse, porém, não foi o entendimento da vereadora Christina Cury. A edil, por todos os meios tentou polemizar e embargar a obra. Ainda que tenha recebido esclarecimentos da prefeitura em requerimento formulado via Legislativo, não sossegou. Insistiu junto à Mitra Diocesana de São Carlos sobre se havia autorizado a obra. Não satisfeita, acionou o Ministério Público Estadual, sob argumento de que a prefeitura estaria construindo em área que não era sua. Não tinha como ter razão e, felizmente, não logrou êxito em seu intento. Não raro, ressentimentos políticos segam pessoas. Mesmo que, em tese, com condições intelectuais de saberem que aquilo que estão fazendo não encontra respaldo fático nem jurídico.

Bem disse o poeta magno Castro Alves, no poema “O Povo ao Poder”, escrito em 1864:

  • “A Praça! A praça é do povo
  • Como o céu é do condor
  • É o antro onde a liberdade
  • Cria águias em seu calor!”
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