Jogando para a plateia

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O vereador Pastor Celso apresentou e fez aprovar na Câmara Municipal, projeto de lei que “Dispõe sobre a proibição da prática de nepotismo na administração pública direta e indireta, de qualquer dos poderes municipais”. Do ponto de vista político, trata-se de jogada esperta. Afinal, quem é a favor do nepotismo? Ou por outra: quem é contra o combate ao nepotismo? Na prática, porém, a iniciativa é um jogo para a plateia, porque se trata de lei municipal absolutamente desnecessária. A matéria já é regrada pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.

É proibido fazer lei municipal sobre o assunto? Não, não é! Então, por que o vereador, com a apresentação do projeto de lei, jogou para a plateia? Quando do episódio da apresentação do pedido de cassação do mandato do prefeito Ruy Favaro, que foi um tiro no pé da oposição como um todo, quem foi obrigado a dar a cara a bater nas redes sociais e até a imprensa, se pronunciando, foi o vereador Pastor Celso. Mais articulado e, em tese, mais capaz de gerar alguma credibilidade junto à comunidade que os demais do grupo político a que pertence, face ao tamanho da repercussão negativa daquele episódio precisou sair dos bastidores, onde mais atua, para vir a público dar explicações. Não há dúvidas que isso gerou desgaste.

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Este ano tem eleição e o vereador Pastor Celso, tudo indica, será candidato. Arguto, tratou de amainar o desgaste apresentando ao público matéria a todos simpática, o combate ao nepotismo. Tanto isso é fato que não se cingiu a protocolar o projeto de lei na Câmara, de forma silenciosa, como corriqueiramente acontece. Foi imediatamente para as redes sociais, por meio de vídeo, dizer da sua iniciativa. Mostrar que se tornava paladino da moralidade no que refere ao combate à nomeação de parentes em todos os órgãos da administração pública municipal. Repita-se: quem seria contra uma proposta dessas? Quem a deixaria de apoiar? Logo, essa é aquela iniciativa que não tem como dar errado. É propor a matéria e ir pra galera colher os louros a vitória. Que, por sinal, já está colhendo com a exposição do seu nome inclusive em mídia regional.

Mas qual o problema de existir uma lei local que trate do mesmo assunto regrado na Súmula Vinculante nº 13 do STF? Basicamente o imediatismo nefasto! Uma súmula do Supremo obriga a que todas as decisões do Poder Judiciário a sigam. Mas possibilita que as questões sejam discutidas caso a caso antes da decisão final. Em se tratando de lei, o que nela está escrito precisa ser cumprido imediatamente. Pelo menos nos termos em que foi elaborada a norma aqui referida. Seja correto ou não o que esteja no texto legal. Mas a lei também não é passível de ser analisada pelo Poder Judiciário? Sim, é! A diferença é que a consequência vem primeiro e o eventual remédio depois, quando possíveis efeitos deletérios já estejam consumados. Ainda, implica numa ação do órgão da administração em relação a ela, o que fatalmente gera desgaste. Até porque, num primeiro momento quem se opor a qualquer dos comandos da lei, ainda que equivocados sejam, no todo ou em parte, será acusado de agir na defesa do nepotismo. Isso ocasionaria polêmica e constrangimento, principalmente num ano eleitoral. Em política, quase tudo é jogo de estratégia.

Mas há na administração pública municipal atual situações que poderiam ser alcançadas pelo texto da lei? Da forma como elaborado, sim! Então existem casos de nepotismo na administração pública de Dois Córregos? Do ponto de vista jurídico, que ofenda o disposto na Súmula Vinculante nº 13 da STF, em tese não! Até porque, inclusive o caso que poderia ensejar polêmica maior já teve denúncia analisada e foi considerado regular pela representação local do Ministério Público Estadual. Trata-se do fato de um atual cunhado do prefeito ocupar o cargo de diretor de um departamento da prefeitura. Acontece que, quando nomeado, o hoje cunhado não era cunhado. Portanto, não era parente por afinidade do prefeito, o que passou a ocorrer depois do casamento do servidor com a irmã do Chefe do Poder Executivo. Afora isso, além de ser pessoa tecnicamente qualificada, ocupa cargo equivalente a secretário municipal, executor de políticas públicas, situação essa que o STF praticamente já consolidou não configurar nepotismo.

Bem, mas a lei vai gerar eventuais problemas apenas agora? Não o fará também quando, quiçá, a oposição que a propôs estiver no comando da administração. Isso é fato! Mas, por ora, à oposição esse detalhe é o que menos importa. No momento, o que interessa é causar polêmica e criar embaraço à gestão atual. E, de quebra, se passar por moralizadora. O depois é outra história. Eventuais ajustes ao texto legal poderiam ser feitos a qualquer momento. Como até a revogação da lei. Para tanto, basta ter maioria no Legislativo como tem atualmente. Como se vê, seja para o vereador autor, seja para a oposição, a proposta é uma bela forma momentânea de jogar para a plateia e criar embaraço à administração.

O prefeito não teve medo do desgaste e vetou a lei, com fundados argumentos fáticos e jurídicos expostos numa peça de 19 laudas. Mas o veto, como era esperado, foi rejeitado na Câmara, independente das razões que expunha, porque a oposição, como já dito, tem maioria para fazer o que quer e bem endente. Independente daquilo que seja ou não juridicamente mais correto ou melhor ou pior para a administração pública da cidade. Na esfera do Poder Legislativo, determina o que é certo e o que é errado quem tem mais votos. Independente de que aquilo que decidir seja certo ou errado. Isso, obviamente, colocando-se o interesse político acima do interesse público. E foi o que aconteceu? Para este articulista, foi! Mas quem será contra o combate ao nepotismo? Este o argumento, falacioso, que conta na situação debatida. Daí, repita-se, o jogo para a plateia.

  J A Voltolim

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