De tanto dizer sim…

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Rimbaud, o poeta francês de vida tão turbulenta, escreveu um poema célebre, cujo verso é reiteradamente declamado: “par delicatesse, j’ai perdu m avie”. Por delicadeza, eu perdi minha vida.

Isso vem a propósito de um artigo da antropóloga Mirian Goldemberg, autora do livro “A Bela Velhice”. Ela critica a praxe brasileira de insistir, mesmo quando a insistência importuna a pessoa. Exemplifica ao mencionar situações como aquela do “fica mais só um pouquinho. Come só um pedacinho. Toma só um golinho”.

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Não existe uma estatística a respeito de quem cede ou de quem assume a coragem de dizer “não”. Desconfio, por experiência pessoal, que é mais fácil não resistir. A recusa é equiparada a uma indelicadeza. Fica menos complicado ir para o sacrifício.

Pessoalmente, já enfrentei a questão do café açucarado, como ocorre em inúmeros lugares. Hoje, menos frequente do que há alguns anos. Quase sempre, quem oferece procura contornar: “Tem pouquinho açúcar! Está quase amargo!”. Ao experimentar, vê-se que na verdade, a xícara contém açúcar com café…

Os compromissos à noite são também emblemáticos. Quem acorda cedo, tem sono mais cedo. E então vem o “fica mais um pouquinho”. Quem fala não é mal educado, neurótico, esquisito.

Interessante observar que Mirian Goldemberg mostra a crueldade do diminutivo. Seu uso é uma “forma de coerção bastante eficaz”. Conta a estória de uma nora, cuja sogra conspira contra seu regime: “Deixa de ser chatinha, fiz o bolinho que você mais gosta. Come só um pedacinho”. A nora tem receio de magoar a sogra e sai da dieta. Mas se sente mal porque não teve a coragem de dizer “não”.

Não é egoísmo pensar também um pouco em si. Aquilo que só traz desconforto não pode ter espaço em nossa vontade. É preciso aprender a dizer “não”. Assim como, na década de sessenta, nós cantávamos “eu preciso aprender a ser só!”.

A vida é curta e estranha. Há coisas que nos ensinam, mas que não conseguimos aprender. Dizer “não” teria me poupado tristeza, remorso, arrependimento. Até prejuízo financeiro e moral. Paguei muito caro por não saber dizer “não”.

*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

 

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