Ruy Barbosa foi alguém que suscitou muita inveja. Brilhante, eloquente, dinâmico, atuou em várias searas. Jurista de cultura consistente, tribuno ousado, político de extrema combatividade, era natural despertar aquele que é o mais pernicioso dos ciúmes: os ciúmes masculinos.
Dentre várias acusações que os contemporâneos chegaram a fazer, estava a de que era um ateu. O ateísmo não dispunha de tanto prestígio como hoje, em que os ateístas parecem evangelizadores com sinal contrário. Querem conquistar almas para o exercício ateu.
Àquele tempo do final de Império e Primeira República, o Catolicismo fora a religião oficial do sistema monárquico e ainda era muito forte após o golpe de 1889. Por isso, ser considerado ateu era grave.
Só que Ruy se converteu. Nunca deixara de acreditar num ser superior, a quem se tributasse a regência do universo e o papel criador de tudo o que o cosmos abriga. Aos poucos, foi tornando muito clara essa fé. Uma fé essencialmente católica.
Basta a leitura de um texto extraído de uma importante manifestação de 1909, há exatos 111 anos.
“Deus, que me infundistes o amor da beleza, da verdade e da justiça; que povoais da vossa presença as minhas horas de arrependimento, de perdão e de segurança na vossa misericórdia; que há dezenas de anos me descobris os meus erros, me reergueis dos meus desalentos, me conduzis pelo vosso caminho: dai-me agora, mais do que nunca, o ânimo de não mentir aos meus semelhantes, de me não corromper nos meus interesses, de não temer ameaças, não me irritar de injúrias, não fugir a responsabilidades.
Se a mercê da salvação da nossa liberdade e da nossa fortuna, da nossa paz e da nossa honra, postas nas vossas mãos onipotentes, exigir o sacrifício de um em satisfação das culpas de todos, não vos detenha, Senhor, a miséria do resto dos meus dias, cansados e inúteis. Mas não permitais que as maquinações do egoísmo de alguns prevaleçam ao bem de um povo inteiro, que a barbárie senhoreie de novo a nossa pátria, que os semeadores de violências e desunião vejam prosperar outra vez a sua funesta sementeira nas regiões benditas, sobre cujos céus acendestes a constelação da vossa cruz”.
É uma verdadeira prece. E seu conteúdo é bem aplicável ao que se espera que a Providência assegure ao Brasil de 2020. Valeria a pena que todos os seres humanos providos de racionalidade, já que nem todos foram dotados desse dom, se devotassem à sua leitura convicta, com fé e esperança de que existe uma perspectiva de atendimento.
*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-Graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.