Dar com os burros n’água

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Os antigos tinham razão quando repetiam ditados cuja plenitude conceitual era suficiente para retratar uma situação. Um deles é esse: “dar com os burros n’água”. Serve para explicar o insucesso provocado por alguém que improvisou, foi impulsivo e quis tirar proveito de uma situação em que se frustrou.

É o que se aplica ao governo federal, quando, para agradar uma ala do agronegócio que não respeita o ambiente, liberou tudo aquilo que deveria ser preservado. A “flexibilização” do ordenamento, sob argumento de desburocratizar, foi bem escancarada com a franqueza do Ministro do Meio Ambiente: valer-se do momento catastrófico em que se enterra em covas coletivas as vítimas do Covid19, para “soltar a boiada” e desregulamentar em “baciada”.

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O empenho de brasileiros como Paulo Nogueira Neto, o primeiro ocupante dessa missão junto à Presidência da República, chegou a edificar um conceito muito favorável para o Brasil na década de 70 do século passado. O ambientalista há pouco falecido participou da elaboração do conceito de sustentabilidade. Em seguida, vem a Constituição de 1988, que elaborou o mais belo preceito de tutela ambiental: o artigo 225 da Carta. Reconhecido em todo o planeta.

O Brasil era uma esperança em 1992, quando recebeu dignitários de todos os países para a Eco-92. Houve a fase da “grife” Marina Silva, uma seringueira, alguém profundamente ligada ao extrativismo sustentável.

Depois disso, apenas retrocesso. Revoga-se o Código Florestal, adota-se a política da terra arrasada, anistia geral a grileiros, a boiada atropelou todo o acervo de conquistas ecológicas e a burrice se fez de baciada.

Aí entra o que o governo está colhendo. Muito esperta essa política pública. Só que os verdadeiros amigos da natureza, agricultores que sabem ser imprescindível a conciliação entre ambiente e produção agrícola, não estão contentes. Alemanha e Noruega se recusaram a continuar financiar a proteção da Amazônia, pois nada se esconde no mundo que as redes sociais escancararam. Holanda e Áustria se recusam, por seus Parlamentos, a aprovar o Tratado do Mercosul. Muito provável o efeito dominó. O imenso esforço de tantos brasileiros para convencer a União Europeia de que somos país sério e responsável, foi por água abaixo.

O que isso significa para o Brasil? Um imenso prejuízo, uma demolição imediata de uma reputação lentamente construída. As consequências econômicas serão suportadas por muitas gerações. Quem responderá por isso? Quem arcará com os custos de um erro colossal?

Por óbvio, as árvores derrubadas, a biodiversidade queimada, isso nunca será recuperado. A natureza é pródiga, poderá regenerar-se. Mas se merecer cuidado com carinho. O que parece faltar aos responsáveis por essas políticas públicas no âmbito federal.

Tristeza e decepção com atitudes malpensadas, que não confortam os bons brasileiros, mesmo quando têm certeza de que, nessa política pública, o governo “deu com os burros n’água”.

*José Renato Nalini atuou junto à Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJSP de 2005 a 2015. É autor de “Ética Ambiental”, RT-Thomson Reuters.

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