Fake News: nome novo, prática antiga

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A era da pós-verdade é pródiga em gerar verbetes e expressões novas. Só que a hoje famosa “fake News” é algo bem antigo no comportamento humano. Veicular mentiras está no DNA da humanidade, a cadeia mais evoluída na escala animal. Porém, não deixa de trazer veementes sinais de que a criatura chamada racional é capaz de se portar como os do ínfimo grau na escala evitam.

O animal irracional não mente. Não é, por natureza, um dissimulador. Não dissemina as perigosas “meias verdades”. Por isso é que a trajetória humana pelo planeta é repleta de episódios lamentáveis, surgidos dessa tendência a falsear o real com uma dose cruel de inverdade.

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Um exemplo serve para mostrar como isso causa sofrimento desnecessário. Quando Paulo Coelho foi preso em 28.05.1974, torturado por duas semanas, estranhou-se procedimento que não fora idêntico em relação a outros intelectuais. Havia alusões, ameaças, tudo tendente a fazer com que eles deixassem o Brasil. Tortura era prática destinada a não celebridades. Figuras carimbadas poderiam chamar a intenção da mídia mundial.

No livro “Não diga que a canção está perdida”, biografia de Raul Seixas escrita por Jotabê Medeiros, alude-se à delação que o artista teria feito, acusando seu parceiro de letras. Só agora se descobre, graças à pesquisa de Lucas Marcelo Tomaz de Souza, na tese de doutorado sobre Raul Seixas, que houve um problema de quase homonímia. O Paulo Coelho procurado pelo sistema autoritário não era o escritor, mas um Paulo Coelho Pinheiro, membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário.

A confusão surgiu porque Paulo Coelho, o mago, tem o acréscimo de um “de Souza” e o visado um “Pinheiro”. Teria sido o suficiente para confundir um com o outro. A mera suspeita foi suficiente para denegrir a memória do compositor da “metamorfose ambulante”, que morreu em 1989, com apenas 44 anos.

Quantas outras leviandades não circularam e continuam a circular como se verazes fossem? As pessoas de bem e providas de consciência têm de refletir sobre a veiculação automática de tudo o que lhes chega aos mobiles, indagando-se a respeito da potencialidade de causar prejuízo moral e sofrimento aos humanos envolvidos. Vale a pena alimentar essa rede cruel?

*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2019-2020.

 

 

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