Bosque dos mortos

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Parece não ter fim o horror da peste que assola a humanidade. O Brasil enterra centenas de milhares de filhos seus, que poderiam estar vivos não fora uma série de circunstâncias. Dentre estas, o negacionismo, a propagar falácias, subestimando a força letal do vírus. A incúria governamental federal, que não adquiriu as vacinas disponíveis, enquanto era tempo. O abuso dos que continuaram a promover aglomerações, disseminando contaminação por todos os ambientes.

Assusta é o mistério dessa praga. Pessoas que se mantiveram isoladas, de repente a contraem e morrem. Os que promovem reuniões, abraçam-se, posam para selfies com as “celebridades”, não são atingidos. Como explicar o que ocorre com esse agente invisível e terrível?

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Dentre as sequelas da pandemia, saliente-se aquela resultante da ausência forçada dos ritos de luto. Os sepultamentos às pressas. A impossibilidade de abraço e solidariedade. As famílias sofrem esse abrupto e doloroso rompimento do convívio e não podem sequer merecer o conforto dos amigos.

Isso perdurará enquanto houver sobreviventes. Assimilar a perda será um sofrimento infinito. O aconselhamento, a orientação espiritual, a psicanálise, a psicoterapia, tudo deverá atuar para a superação do trauma.

Algo que todas as cidades podem e devem fazer, é a homenagem singela e oportuna de plantar uma árvore para cada vida perdida para a Covid19. A ideia foi veiculada na capital paulista e não se tem notícia de sua consecução. Mas todos os municípios perderam seus filhos. E todas as cidades têm deficiência de cobertura verde. Principalmente aquelas que substituíram as chácaras, sítios e fazendas por plantações de cana-de-açúcar, numa desinteressante monocultura que, dentre outros efeitos, acelerou a urbanização e a pobreza dos antigos sitiantes autárquicos.

A natureza agradecerá o plantio. E talvez ele sirva para recordar os que se salvarem, de que a humanidade é frágil e finita. Outras pestes virão. É se conscientizar de que precisamos devolver ao ambiente o que dele subtraímos, de forma inconsciente ou até criminosamente deliberada.

Um bosque dos mortos poderá ajudar as novas gerações a preservarem a vida melhor do que nós conseguimos até o momento.

*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Presidente da ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS – 2021-2022.

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