Ouvia constantemente em minha casa quando criança através dos tios de minha mãe os italianos Fidelis Disernio e Antonieta Lapenna Disernio, nossos parentes que primeiro chegaram aqui, procedentes de São Pedro, lá pelos idos de 1.900, escutava as façanhas do Tenente Galinha e da sua “cambada dos infernos” como ele se dirigia a seus subordinados. Escolhia seus homens a dedo e que o obedeciam cegamente. A decisão provinha da Capital e sua missão era reprimir o banditismo no interior do Estado de São Paulo.
O tenente Galinha gostava de adversários durões. Sua coragem existia quando ele estava com o seu bando. Sozinho era um covarde. O Médio Tietê não escapou de sua sanha, e os registros mostram a sua passagem por Dois Córregos, Mineiros do Tietê, Barra Bonita e Jaú. Nos anos de 1990 até 1910 os ladrões de cavalos agiam também no município de Bariri. Como é roubar carros hoje em dia. O pessoal falava: “vamos esperar a agente do Galinha, que anda aqui por perto. Eles tomarão conta dos bandidos, ladrões, assassinos e valentões locais”.
Tinha na sua tropa da briosa Força Pública do Estado, homens como o Cuiabano, Boca de Fogo, Gambá, Zé Pintinho, Manoel do Saco, Serelepe, Isidoro e mais uns 4 ou 5 que não descobri seus nomes. Em casa se dizia que quando o Tenente Galinha e seu grupo entravam na cidade montados em seus cavalos os moradores das casas fechavam as janelas e portas e falavam “cuidado gente que está chegando o bando do Tenente Galinha”. Ainda expressavam que “justiça seja feita, mas o Tenente limpou a cidade de bandidos”. Os nomes que os dois-correguenses davam a esse bando de soldados era de “Captura”.
Em Mineiros do Tietê o Tenente foi atrás do criminoso Severino Botelho. Por ali ele esteve tempos atrás e sapecara o couro num tal de Francisco Severino e seus filhos Pedro e José Paula; o mesmo ao velho Marco e seu filho Canarinho; José da Cruz Areias também levara uma boa pisa.
Chegou um dia procedente de Jaú e um viajante de farmácia diz ao povo mineirense: “O homem vem vindo. Em poucas horas estará aqui”. E a pacata população ficou em estado de alerta. Realmente o Tenente Galinha chegou à tarde para um acerto de contas com Severino Botelho. Ninguém na cidade deu informações da residência dele e muitas portas e janelas estavam fechadas. Daí o Tenente viu um conhecido já manjado por ele por estripulias passadas, um tal de Benedito Saci e disse: “com pena de morte por pancadas vá se pondo no caminho e mostre onde está o Severino”. Com medaço disse: “é logo ali, Tenente. Na segunda água, a casa isolada lá em cima é onde reside o Severino”. O pastinho ficava a uns vinte metros da casa, assim como a lavoura.
Severino Botelho viu quando a escolta se aproximava do córrego, lá em baixo e falou consigo mesmo: “é o Galinha e o cabra que esta apontando a casa é o Benedito Saci, Eta negrinho safado”. Severino deitou-se e rolou o copo pelo morro até atingir a casa. Na casa junto à janela, com a arma na mão, sua mulher que percebera tudo, entrega-lhe a carabina pronta. Botelho possuía duas carabinas ótimas com precisão de tiro para um exímio atirador que ele era. Enquanto atirava com uma, a esposa carregava a outra. Estava em posição estratégica. A casa ficava num plano elevado, e assim dominava uma grande área, podia ver bem todo o movimento da escolta e falava: “veio me buscar Galinha? Então chega aqui. Quero estora vossos miolos, seus captura do inferno!”. Galinha respondeu: “já vou bandido. E fogo negrada!”.
Severino era o melhor atirador de toda a região, não errava um só tiro. Uma bala levava endereço certinho no coração de um milico. Outro tiro ele acertou no ombro de Isidoro que perdeu os sentidos. Galinha sentiu um calafrio na espinha. A pontaria do Botelho era excelente. O Tenente aconselhara os homens que escondessem como tatu na toca. Esquecera porem, ele próprio o joelho de fora. Seu corpo ficou atrás de um grosso mourão da porteira da entrada do sitio, mas, parte da perna ficou de fora e a pontaria do Severino foi buscar o joelho direitinho. O Tenente disse: “pelo amor de Deus, home, não atira mais e para com o fogo, pois estou com a canela partida”. E Severino disse bem alto: “si tu nunca mais volta aqui, eu paro”. O Tenente humilhado bateu em retirada. O soldado que morreu foi sepultado em Mineiros do Tietê. Galinha dali mesmo foi embora e nem quis passar pela cidade.
Alguns anos desse ocorrido o Tenente esteve em Mineiros e bateu em toda a família de um tal de Francisco Severino. O Sr. Francisco Breggion que era barbeiro, lembra-se perfeitamente do encontro entre o Galinha e Severino Botelho, e disse na época que “Galinha era um individuo cumpridor dos seus deveres isso é certo. Abusou, é verdade, mas sua folha de serviços é grande. Acabou com o banditismo por esse interior afora”.
O Tenente Galinha acabou morrendo em sua cama deitado, por dois pistoleiros contratados por sua mulher Benedita. Foi o trágico fim de um bando, igual aos cangaceiros do nordeste, mas que agiam em nome da lei, apesar dos abusos e ignorância do analfabeto Tenente Galinha.
Pesquisei este artigo no livro Eu Sou a Lei, do jornalista Adherbal Oliveira Figueirdo, editado em 1965, hoje esgotado. Fui até o sítio do Botelho em Mineiros do Tietê, há uns anos atrás e vi o mourão de porteira no mesmo local onde o Tenente levou o tiro de carabina no joelho e mostro até uma fotografia da família de Severino Botelho num barco chegando numa das margens do rio Tietê, com sua esposa e um filho pequeno, mais o barqueiro.
Esse relato trata de um dos assuntos que durante muito tempo povoaram minha imaginação de menino que gostava de brincar de “bandido” e “mocinho” muito em voga quando criança.
josé nelson dante