PÉROLAS DANTESCAS – UMA HISTÓRIA DE CEMITÉRIO

PENSAMENTO DANTESCO Homenagem são como hemorróidas, cedo ou tarde todo bundão ganha uma.

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Uma figura que sempre me atraiu, não pelas qualidades morais ou intelectuais, mas pela função profissional, trata-se do coveiro. Só trabalha quando a desgraça de uma família é aguda. Ocupa-se com a morte.

Quando choram à volta da urna que vai descer na cova aberta, lá encontramos esse personagem cônscio de seu dever, com a colher de pedreiro em punho. Depos os parentes e amigos jogam punhados de terra e o coveiro finaliza deixando o caixão todo coberto e inicia os respaldos para a morada final e eterna do cadáver.

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O coveiro Mantino morou muitos anos em Dois Córregos. Aqui nasceu. Bebeu por uns 50 anos a bendita água da Nhá Eva.

Tinha vários filhos, mais ou menos oito. Foram crescendo, casando e mudando para a Capital. Dai o Mantino e esposa seguiram o mesmo rumo.

Lembro do Amantino João Quirino sempre sorrindo, dentes claros, quase mulato, meio calvo, com passos apressados subindo a Rua XV a todos cumprimentando, como dizendo: “Passe por lá! Estou te esperando! Tinha o riso contagiante, simpático, das pessoas ingênuas e boas.

Era costume quando o caixão saia da residência, o sino da Matriz badalar lentamente, acompanhando os passos do cortejo e tocar até a entrada do séquito na igreja. Quando saia voltava a badalar morosamente até o enterro atingir a morada final.

O sacristão do alto da torre avista toda a cidade, portanto ficava fácil obedecer a esse ritual cristão já extinto. Hoje é tudo de carro e o defunto fica velado no necrotério.

Mantino e família moravam na “casa do coveiro”, que é propriedade da Prefeitura, anexo ao cemitério. O cemitério era a sua vida. Seus filhos brincavam no campo santo. Ele passava o dia lá dentro. Arrumava um túmulo, limpava outro e enterrava um cidadão. A pessoa quando gosta do que faz, trabalha com mais prazer.

Com uma família numerosa teve um dia que ninguém percebeu que faltam dois para dormir. Na manhã bem cedinho chegaram em casa. Tinham dormido no cemitério. Brincaram tanto que cansaram e adormeceram por lá mesmo.

Quando uma pessoa não estava muito bem era comum o companheiro fazer troça: “Cuidado que o Mantino vem te buscar!”.

Certos casos são reais ou passam a circular como lendas. O que passo a narrar é muito conhecido pelos que viveram esse período. Uma das filhonas do Mantino estava passeando no Jardim Público, onde os moços andavam no sentido ponteiro do relógio e as moças o contrário. Num desses encontros um moço de Jaú gostou de uma das filhas do coveiro, deu um aceno de cabeça para ela que foi correspondido e na outra volta passaram a conversar. Foram passear no quadrado, isto é, na parte mais externa do jardim. Como já era tarde ele pediu para levá-la em casa. Ela relutou um pouco., fazendo joguinho de cena, e concordou. Lá foram os dois conversando animadamente. O trajeto era um pouco longo, aproximadamente seis quarteirões. Ele pergunta onde ela mora. Ela responde ali mesmo. E os dois caminham. Passam sobre uma ponte, uma velha máquina de café e novamente pergunta onde ela mora. Ela responde que logo ali. O lugar já estava ficando escuro. Passam perto da Santa Casa e do Necrotério da mesma. Ele fica mais curioso e pergunta: “onde é mesmo que você mora?”. Esta pertinho! Responde. Está chegando! Ele nota que não tem residência nenhuma após a Santa Casa. A casa do coveiro fica coberta de árvores, quase não aparecendo. Só se avista e muito bem o cemitério. O rapaz indaga novamente e já apavorado: “Onde é mesmo que você mora?”. Ela aponta a sua casa anexa ao cemitério e diz: “Ali!”. O moço imaginando que ela aponta para o cemitério, sai correndo numa debandada de nunca mais ver a sua misteriosa namorada.

 

           josé nelson dante

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