Luz no fim do túnel

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Um dos grandes traumas enfrentados pelos municípios brasileiros é a judicialização da saúde. Ao necessitar de medicamentos ou até de tratamentos de alto custo, o paciente ou quem eventualmente o represente, entra com uma ação para que um juiz obrigue a entrega ou o pagamento. Os processos são interpostos contra a prefeitura e o Estado. Mas há os que acionam apenas o município, por ser mais fácil a intimação (não reclamem, os entendidos, que este não é o termo jurídico correto) para a satisfação do pretendido.

O comum é que as decisões sejam favoráveis à concessão dos pedidos. Na imensa maioria das vezes os juízos nem aceitam discutir se quem está pedindo tem ou não recursos financeiros para adquirir os medicamentos ou custear os tratamentos ou mesmo parte deles. Grosso modo, invoca-se o artigo 196 da Constituição Federal, que diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Bem como que “universal e igualitário” é o acesso “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

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Ainda que a saúde pública, representada pelo SUS – Sistema Único de Saúde – seja tripartite, com obrigações distintas entre União, Estados e Municípios, as decisões judiciais são no sentido de que os três entes têm responsabilidade solidária. Como é mais fácil citar o prefeito ou o secretário de saúde, acaba sobrando para as prefeituras. E as decisões, geralmente liminares, são assim: ou o ente público cumpre ou paga multa diária. E se mesmo assim não cumprir, o ente tem dinheiro confiscado.

Nem se discute o direito de quem está doente pretender acesso aos melhores medicamentos e tratamentos existentes. Mas, infelizmente, isso não é possível. Nem é viável exigir isso dos municípios, especialmente dos pequenos. O dinheiro que se destina, obrigatoriamente, para um medicamento ou para um tratamento de alto custo vai faltar para a atenção básica. E o que é a atenção básica? É a oferta dos serviços essenciais de saúde para toda a população, cuja competência é das prefeituras.

Compete primordialmente aos municípios manter as unidades de atendimento, mais conhecidas como postos de saúde e os serviços de pronto atendimento ou pronto socorro. Como, também, ações preventivas e distribuição de medicamentos básicos. Dentre eles os de uso continuado como para diabéticos, cardiopatas e portadores de outras doenças que exigem tratamento permanente. Casa vez que se obriga uma prefeitura a pagar um tratamento de alto custo, se está tirando da atenção básica, isto é, do coletivo.

Essa é uma luta contínua entre os municípios e as decisões judiciais. A luz no fim do túnel parece vir de uma decisão do STF – Supremo Tribunal Federal, ainda que em sede de liminar. Numa ação envolvendo União, Estado de São Paulo e o município de Jundiaí, em que se pleiteia o pagamento de um medicamento caríssimo, o presidente da Corte, Ministro Dias Toffoli, afastou a responsabilidade do município. E o fez levando em conta a definição de responsabilidade de cada ente, além do alto custo do medicamento.

Essa é uma decisão que, para ter valor pleno, precisa ser referendada pelo plenário do STF, composto de onze ministros. Mas não deixa de ser, para os municípios, em especial para os pequenos e pobres, uma luz no fim do túnel. Há prefeituras em que quase a metade do orçamento para a saúde é gasta no atendimento de ordens judiciais. Como dinheiro não cai do céu, o destinado para atender casos específicos sonega recursos que deveriam ser investidos para a melhoria da saúde de toda a população.

Se embora justo o pedido, não é possível despender dinheiro para dar o melhor medicamento ou o melhor tratamento de saúde para manter a pessoa viva, como pode um município ser condenado a indenizar furtos praticados em cemitérios. Pagar por objetos de valor que pessoas colocam em jazigos particulares, sem que a prefeitura possa impedir que o façam, porque são propriedades privadas. E mais: ainda correr risco de ter desfalque ainda maior nos cofres públicos a título de satisfação de danos morais.

A Constituição Cidadã de 1988 abriu um leque de supostos direitos, onde o Estado (leia-se ente público) deve ser responsável por quase tudo. Só que não existe dinheiro público para atender todos esses direitos. Quando recursos finitos são carreados para situações individuais, fazem falta ao coletivo. Cada um tem o direito de procurar o Judiciário para satisfazer sua pretensão. Mas as decisões precisam, quando em relação a entes públicos, serem seletivas e vislumbrarem o impacto coletivo.

J A Voltolim

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