Lama Virtual ou o Incrível Mundo das Fake News  

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Gustavo Miquelin Fernandes

Recentemente, o filósofo italiano Umberto Eco, numa cerimônia universitária na Itália, afirmou que “as redes sociais vieram dar voz aos imbecis”. Segundo o escritor: “Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”.

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Realmente, o poder da internet e, especificamente, das redes sociais é gigantesco, quase que imensurável. Tais redes de comunicação derrubaram um ditador na chamada “Primavera Árabe”; organizaram o maior protesto popular do planeta, em que dois milhões de brasileiros saíram às ruas pedindo o fim do reinado petista que faliu o país; e disponibilizam gratuitamente milhares de títulos e obras clássicas a todos quanto manifestarem interesse, com total facilidade.

No entanto, como diria Paracelso, a diferença entre o remédio e o veneno é a sua dosagem. Com não pouca frequência, a liberdade digital tem utilização rasteira e seus fins são ostensivamente desvirtuados.

Censuras pessoais, mentiras, a vida particular alheia em análises maldosas, acusações graves sem provas e toda sorte de desinformação e propagação de lixo cultural já fazem parte deste novo cotidiano.

Não que eu seja contrário a banalidades, momentos de entretenimento, lazer, etc. Evidente que não. A vida pede amenidades, diversão, a fuga momentânea da seriedade da vida. A descompressão existencial. Mas quando tal vira a regra, e não a exceção, os problemas começam a ganhar contornos fortes e graves.

O instrumento democratizador do conhecimento vira charco da degradação. O fenômeno da comunicação se banaliza, a troca de informações vira falatório vazio e argumentos viram palpites. Nasce a ditadura dos falantes.

A internet, seja por seu meio mais evidente hoje, a rede social, pode ser arma letal de destruição: ofensas que dizem com assuntos familiares, temas de ordem personalíssima, acusações levianas e desprovidas de provas, e até casos mais graves como os chamados “assassinatos de reputações”. A realidade é esta.

A liberdade tem um preço que, sim, deve ser obrigatoriamente pago, sob pena de perder-se aquele que é o bem primeiro e mais precioso do indivíduo: o direito de ir, vir, permanecer, ficar, expressar-se, comunicar-se. A liberdade é o oxigênio da alma, como diria Woody Allen. O preço, ainda que caro e obrigatório, pode ser por nós regulado e controlado, com doses mínimas de bom-senso, sensatez e racionalidade. Não se tem conhecimento em qualquer lugar do mundo, em séculos de Civilização, que uma pessoa perdeu as pernas por abusar do bom-senso.

Narro, como medida de exemplo, um expediente comum em discussões de internet. Trata-se da “Lei de Godwin”. Seu enunciado básico é de que à medida que uma discussão cresce ou se inflama, a possibilidade de se citar Adolf Hitler, o nazismo ou os feitos nazistas crescem na mesmíssima proporção. É um expediente apelativo, porcamente retórico e de baixo impacto argumentativo, haja vista que estigmatiza o argumentador que dele faz uso, denunciando falta de tato persuasivo ou simplesmente ser um argumentador infantil e despreparado.

Outro artifício é aquele adepto da liberdade de expressão dita “absoluta”. Teoricamente, ela é absoluta, tanto que tem previsão na Constituição Federal da República (mas não somente por isso é absoluta). Ocorre que, por ser absoluta, não pode ser considerada um salvo-conduto para a prática de ilegalidades. Direitos fundamentais são limitados por outros direitos fundamentais.

Lembro-me, há uns anos, que uma mulher foi linchada em razão de boatos lançados no Facebook de que a mesma praticaria atos de bruxaria e sequestrava crianças. Os fatos eram mentirosos e ela perdeu a vida, sendo brutalmente assassinada. Quem deu nascedouro ao boato pode justificar seu ato com base na liberdade absoluta de expressão? A liberdade de expressão poderia isentar os boateiros de suas responsabilidades? A liberdade de expressão é carteirinha de entrada para a baixaria sem-fim?

A internet, desta forma, é, sim, palco de ofensas verbais, xingamentos e outros expedientes, a demonstrar que ainda estamos distantes de exercemos nosso direito à palavra, parafraseando Umberto Eco, colocando-nos como crianças choronas ou barraqueiros virtuais.

O barbarismo comunicacional é uma realidade, portanto.

Não que seja louvável a existência dum código de posturas politicamente correto; esta ideia não pode ser concebida nem como simples hipótese. O “politicamente correto” é uma ideologia barata que destrói a personalidade humana; é o bom-mocismo dos falsos, tema bem desenvolvido pelo filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé.

Não se trata, portanto, de regular com base em leis ou regulamentos a postura de quem quer que seja. Trata, tão somente, de compreender o que significa o fenômeno comunicacional, de respeitar pessoas e conviver com a tecnologia. Como disse o filósofo Ortega y Gasset, “Civilização é, antes de mais nada, vontade de convivência”.

Como escreveu o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos em sua obra “INVASÃO VERTICAL DOS BÁRBAROS”: Uma das mais tristes características de nossa época, é que já se vem processando há três séculos, e cada vez com mais acentuada insistência, é o esvaziamento das palavras dos seus verdadeiros conteúdos etimológicos e intencionais, para, deste modo, ser possível mais eficientemente perturbar as consciências humanas, e fazer com que a confusão, no campo das ideias, avassale todos os setores, a fim de favorecer ideias, que servem a interesses inconfessáveis. (Página 69)

Ter voz numa democracia é algo a se comemorar muito. Ter uma voz pública, onde pessoas escutem-na é motivo de ainda mais comemoração.

Ter responsabilidade no uso dessa mesma voz não tem preço.

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