Se for assim…

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Pouco tempo atrás, furtos praticados no cemitério municipal foram notícias e polarizaram as atenções da comunidade. A matéria não ficou restrita à imprensa local, ganhando repercussão regional. O assunto bombou nas redes sociais. Infelizmente o crime, corriqueiro em necrópoles de centros maiores, especialmente em capitais de Estado, acontecia pela primeira vez em Dois Córregos. As críticas maiores, como sempre, sobraram para a prefeitura. Afinal, o cemitério é municipal.

Também não tardaram as ações judiciais contra o município. Não apenas com caráter ressarcitório, visando recuperar as perdas ocasionadas pelos furtos. Não raro, em ação na qual se pede reembolso de prejuízo causado pelo furto em torno de 400 ou 500 ou 1.000 reais, a título de danos morais reclamam-se 10, 20, 30 mil reais ou mais. Isso para reparar a dor, a angústia sofrida pelo requerente por ter o túmulo mexido pelos ladrões. Em tese, tudo certo. A lei possibilita pedir.

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Natural a indignação das famílias que tiveram os túmulos violados. A questão a levantar é se é justo cobrar o prejuízo da prefeitura.  Sem falar na tentativa de arrancar ainda mais algum dos cofres públicos a título de reparo por danos morais. Na justiça tende vigorar uma regra que se chama responsabilidade objetiva do ente público. Por ela, grosso modo, todo prejuízo que o particular vir a ter em decorrência de eventual falha no serviço público deve ser indenizada. E, de quebra, vale tentar um plus de dano moral.

É fato que o cemitério é municipal. Mas não se pode esquecer que os jazigos são particulares. Quem os adquire, paga um valor à prefeitura para ter uma propriedade perpétua. E pelo fato dos túmulos serem propriedades particulares, a prefeitura não pode impedir que os donos coloquem sobre ou dentro eles objetos de valor. Se não pode impedir, por que teria a obrigação de assegurar que não sejam mexidos? Colocar objetos de valor em túmulos representa convidar ladrões para irem furtá-los.

Imaginem (não aqui Dois Córregos, mas isso já aconteceu) que uma família, por tradição de cultura, resolva enterrar um ente com uma joia que lhe era de estimação. Não resta a menor dúvida que o túmulo será violado e até o cadáver velimpendiado por bandidos em busca do objeto. A decisão é da família e a prefeitura não pode impedir. No entanto, tem de garantir que o tal objeto de valor esteja permanente seguro, por todo o sempre. Isso é impossível. Não há segurança ou sistema de vigilância que assegure isso.

O cemitério é um espaço público e cercado, que a prefeitura deve conservar em ordem para que receba familiares que têm entes nele sepultados ou visitantes. Mas esse conservar significa manter o local limpo, com sanitários, água e eventuais espaços para cultos religiosos. Aí também se incluem vias de acesso preferencialmente calçadas, galerias de águas pluviais, arborização e até alguma iluminação. Isso é o essencial. Seguranças, sistemas de câmeras, cercas elétricas, entre outros, não garantem inviolabilidade.

No entanto esses sistemas custam caro. Têm manutenção onerosa. Só para se ter ideia, dois seguranças para guardar o cemitério local custam algo em torno de 300 mil reais em um mandato de quatro anos. Isso dá para realizar grande quantidade de obras e serviços para os vivos, dos quais a prefeitura tem de cuidar. Seria justo tirar dos vivos para guardar túmulos ornamentados com peças de valor? Cemitérios modernos nem mais jazigos têm. São espaços ajardinados com lápides identificando os sepultos.

Passa da hora do judiciário rever conceitos ao proferir decisões em relação a entes administrativos. Até porque, no caso de Dois Córregos, a prefeitura não cobra nenhuma taxa dos donos de túmulos no cemitério para garantir a segurança deles. E mesmo que cobrasse, não teria como. Sobretudo num cemitério que possui três faces enormes, ainda que cercadas por muros, voltadas para propriedade rural. Apenas seu frontal faz divisa com via pública regular e iluminada, portanto urbanizada.

Ah, mas a prefeitura recebe impostos pra isso! Para garantir segurança a objetos de valor colocados sobre ou dentro de jazigos particulares? Parece que a justiça precisa adaptar-se à modernidade em relação à culpa objetiva do ente público, sendo mais seletiva. Em caso de dano por falha de agente ou de obrigação que lhe compete, ainda vá lá. Do contrário, daqui a pouco haverá obrigação de prefeituras indenizarem furtos que pessoas sofram em parques ou praças, simplesmente por se tratarem de lugares públicos.

J A Voltolim

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