Moralismo de arenga

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O assunto dominante na cidade, na semana passada, foi a cassação do mandato do vereador Alex Parente. Por seis votos favoráveis (o número mínimo necessário à subtração do cargo), contra três contrários, Parente foi alijado da Câmara Municipal. O motivo? Quebra do decoro parlamentar. Ano passado o vereador foi preso portando um revólver com numeração raspada, que estava no seu carro. Assumiu que a arma lhe pertencia, prestou esclarecimentos às autoridades e à sociedade e responde o processo em liberdade.

Para se entender o motivo da cassação é necessário esclarecer o que é decoro. Grosso modo, decoro significa decência, dignidade, honradez. Por conta de estar sendo acusado de cometer o crime de porte ilegal de arma, Alex teria perdido a dignidade de ser vereador à Câmara Municipal. Quem assinou a denúncia contra Alex, apresentada na Câmara, foi o mesmo cidadão que deu o nome para a interposição da ação judicial contra a doação do prédio do antigo Hotel Estância Santa Paula à AFPESP.

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Que interferência teria no trabalho do vereador ele estar respondendo a um processo na vida pessoal, que nada tem a ver com a lida política?  Ainda se já tivesse sido condenado com trânsito em julgado vá lá. Mas por enquanto o acusado é apenas acusado. Pode ser absolvido. Pode ser objeto de uma condenação branda. Pode o processo prescrever sem que haja imposição de pena. Enfim, sem ser condenado na esfera criminal, já o foi na política. E olha que o delito que cometera nada tem a ver com gestão político-administrativa.

A defesa técnica do vereador alertou para o absurdo precedente que se estaria abrindo com a cassação por esse tipo de motivo. Se dia desses um vereador for pego no bafômetro por estar dirigindo após ter tomado um copo de cerveja e for processado criminalmente por isso, terá de ser cassado. Se eventualmente envolver-se num acidente de trânsito onde, por culpa, ferir alguém e em face disso vir a responder processo criminal, terá de ser cassado. E esses são fatos da vida que podem acontecer com qualquer pessoa.

A cassação, portanto, não faz o menor sentido. Acontece que em processos dessa natureza, políticos, os parlamentares decidem o que querem e como querem. Se o acusado tem contra si a quantidade de votos necessária para impor a cassação do seu mandato, cassado está. O Judiciário não interfere no mérito da questão, porque é decisão política. Só pode haver anulação se existir alguma falha procedimental. Não pelo motivo do julgamento, porque a vontade da maioria dos vereadores é soberana.

E há algo errado no procedimento? Em tese até pode haver. A regra é que acusador e acusado não podem votar. Se o denunciante é um vereador (não é esse o caso), ele não pode votar porque é acusador.     Chama-se o primeiro suplente. O mesmo ocorre com o vereador acusado. Ele pode se defender, mas não votar. Então, chama-se o suplente. Só que esse suplente é aquele que vai ocupar a vaga se o acusado for cassado. Alguém que não tem como não ter interesse na cassação, porque será beneficiário dela.

Aí cabe uma questão. Em qualquer votação da Câmara Municipal, se o vereador tem interesse na causa não deve votar. Votando e o voto sendo decisivo, qualquer que seja a decisão será nula. Isso está escrito no parágrafo quinto do artigo 29 da Lei Orgânica do Município e no artigo 60 do Regimento Interno da Câmara Municipal. No caso da cassação do vereador Alex, o voto do suplente foi decisivo para se atingir o quórum necessário de seis, possibilitando a perda do mandato. O voto do que vai assumir a vaga.

Salvo melhor juízo, em situações como essa o voto isento seria o do segundo suplente. Isso porque, cassado ou não o mandato do acusado, a vaga não seria dele. Mas como aquele que era o beneficiário maior da cassação não se declarou impedido e votou, seu voto foi decisivo, tornando a matéria discutível. Se o argumento vingaria ou não é outra história, porque em direito, como se sabe, dois mais dois não necessariamente são quatro. Mas parece lógica a ofensa aos preceitos legais apontados.

Nos bastidores políticos há quem diga que a cassação de Alex é apenas um meio. O objetivo principal seria a cassação do prefeito. Alex foi eleito pela oposição e acabou se alinhando com a situação. Com isso, o prefeito ficara com cinco votos na Câmara contra quatro dos opositores. A oposição conseguiu alinhar um vereador que fora eleito pela situação e inverteu o quadro. Até agora eram cinco votos a quatro para a oposição. Com a cassação de Alex, entra o suplente que é de oposição.

Com isso a oposição passa a ter seis votos, que daria o quórum necessário para cassar o prefeito. Mas cassar o prefeito por qual motivo? O motivo é o que menos importa. O voto é político. Qualquer alegação serve. Em Tupã, cassaram o prefeito em maio deste ano sob acusação de que houve uma epidemia de dengue na cidade, havia muitos buracos nas ruas e que numa enchente ocorrida em março, várias moradias de um bairro teriam sofrido prejuízo. Tudo culpa do prefeito que negligenciara. Absurdo? E daí?

Comenta-se que o prefeito estaria muito bem avaliado para uma eventual sucessão ou para apoiar alguém caso não deseje continuar. Há boatos de que gente que entende de campanha eleitoral teria dito que no voto, pela situação de momento, não será possível  tirá-lo da prefeitura. Então, o caminho é instaurar um processo de cassação. Atoada? Em política tudo é possível. Alex deve recorrer da perda do mandato ao Judiciário. Aliás, até já tem processos em curso contra o procedimento que resultou na cassação.

Seja como for, a justificativa moralista de falta de decoro parlamentar num caso como este é mera arenga, lenquência, fastídio. Sob o manto de um motivo técnico-jurídico previsto em lei, se camufla o móbil real. Até porque, dado o elastério que a expressão “falta de decoro” comporta, mais de um vereador além de Alex já poderia ter sido processado e ter tido seu mandado subtraído na atual legislatura da Câmara Municipal. Mas isso depende da quantidade de votos que se tem, contra ou a favor.

Ah! O autor deste artigo é pessoa que ocupa cargo de confiança na prefeitura, de livre nomeação do prefeito. Portanto, trata-se, o artigo, de opinião parcial. Legítimo que muitos pensem assim. Mas vale ponderar que quem escreve é um jornalista que atua na imprensa local há 40 anos e que já participou, diretamente, de quatro campanhas eleitorais nas áreas jurídica e de marketing. E está na prefeitura local há mais de 14 anos. Servindo ao quarto mandato consecutivo. Este último, de oposição aos outros três.

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