A ficção da liberdade

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            Para os que estudam Direito, liberdade é o primeiro dentre os direitos fundamentais de primeiríssima dimensão. Vem explicitado logo após à vida, na enunciação do artigo 5º, caput, da Constituição da República. Antecede a igualdade, a propriedade e a segurança. E vida, na verdade, sequer pode ser chamada “direito”. Pois é pressuposto à fruição de qualquer direito. Tanto que “direito” é um verbete intercambiável com “bem da vida”. Só os viventes têm direitos.

Mas o que significa essa tal liberdade?

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É fácil conceitua-la como a autonomia de iniciativa, de ação, a desenvoltura que todo ser humano deve possuir de escolher rota, ritmo e rumo, sem ser inibido por qualquer outra pessoa ou por circunstância alguma que não seja sua própria vontade.

Também é recorrente no discurso libertário a afirmação de que só há efetiva liberdade sob a lei. Ser livre é se curvar à normatividade, pois esta resulta da racionalidade humana. Assim como Rousseau concebeu em seu “Contrato Social”. Para continuar tão livre como era na vida de natureza, o ser humano cede o mínimo de liberdade necessário à formatação de uma entidade gregária que se chama sociedade.

Todavia, há outros enfoques para o direito fundamental à liberdade. É realmente livre quem já nasce condicionado por uma série de circunstâncias inalteráveis, como raça, cor, sexo, nacionalidade, momento histórico de vir à luz, situação econômica da família, limitações físicas e tantas outras conjunturas a que se sujeita a espécie racional?

É verdadeiramente livre quem aceita – até inconscientemente – o jugo do mercado e se submete aos comandos consumistas que o obrigam a adquirir utilidades desnecessárias, subordinar-se à moda e a outros ditames aparentemente desvinculados de qualquer sensatez?

Pode-se falar em liberdade para quem é destituído de coragem para se libertar de tantas amarras, desde ligações sentimentais nocivas ao seu equilíbrio, até os comandos do “politicamente correto”? Qual a liberdade de quem, por necessidade de sobrevivência, resigna-se a observar ordens incompatíveis com a sua ética, a sua filosofia de vida, o seu código íntimo de valores?

Por esse motivo, a liberdade possível é aquela contida no íntimo da consciência e intuída pelos filósofos clássicos. A liberdade em relação aos bens materiais, a autonomia em termos de laços sentimentais, necessitar de pouco para se sentir em paz consigo mesmo.

Daí que a prisão nem sempre significa efetiva privação de liberdade. De igual forma, em plena escravidão, muitos escravos poderiam ser mais libertos do que seus patrões. Essa, paradoxalmente, a liberdade tangível, pois experimentada por mentes privilegiadas.

Tantos outros, aparentemente favorecidos pela sorte, continuam escravos das paixões, são servis ao dinheiro, sequer têm notícia do que seja a sensação de ser dono e senhor de seu tempo, de seus caminhos, de seus destinos.

Por incrível que possa parecer, há seres humanos libertos das fissuras de caráter que nos fazem reféns de exterioridades e, o pior de tudo, profundamente infelizes.

*José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente universitário, palestrante e autor de “Por que Filosofia?”, 3ª ed, RT-Thomson Reuters.   

 

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